11.05.2013

Espectro

Era noite, bem noite, eu podia sentir os vermes do esgoto farejando minha alma podre. Seu lugar é aqui conosco! É o que eles diriam se pudessem falar, ou se – pelo menos – eu pudesse ouvi-los. Mas a verdade é que, de alguma forma, eu os entendia. Viviam na sarjeta por que o mundo, mesmo com toda imundice, era limpo demais para eles. E era perigoso andar por aí, correndo o risco de ser depurado por uma manhã qualquer de verão. Afinal, já não restaria nada menos corrompido em suas almas corroídas pela mágoa e pelo rancor, nada que pudesse ser visto à luz do dia sem que se cegasse uma legião de outros seres mais nobres.

Era por isso que eu andava a noite. A noite era minha casa, minha amante e meu ópio. Meu verdadeiro amor, este já nasceu corrompido, e morreu antes mesmo de vingar.  Foi quando eu enterrava seus ossos – naquela cidade de túmulos – que a noite me seduziu. A lua, você sabe, é uma farsa tão grande quanto eu. Com sua luz emprestada, engana a lobos e homens, mas não pode me desmascarar sem sofrer a mesma ameaça. Como dizem, à noite todos os gatos são pardos.

Eu poderia ter escolhido viver meu destino de trevas (on the dark side of the moon). Entretanto, deferente de ratos e baratas – que  nascem livres – o homem nasce condenado. É a maldição do pensamento, meu amigo, a pena perpétua dos fracassados. É nele que se manifestam a culpa, o medo, a raiva por sentir culpa e medo, e todos os outros sentimentos mais patéticos. E este sou eu. Embora mais cáustico e endurecido, sempre solitário.

Ainda aquela noite – antes que os pássaros acordassem – eu estaria misturado aos outros da minha espécie, mas meu segredo estava seguro. Minha alma - digo, meus olhos são negros demais para se ver através.

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