8.13.2011

Poesia quando cala

Poesia quando cala deixa o coração pesado
A garganta se fecha pras palavras
E os sonhos, escravos do passado
Dissolvem-se no abismo de uma mente estéril

Não há ponteiros nos relógios
Nem mistérios do destino
O tempo passa em silêncio
E a gente nem sente a alma dormente (dormindo)

A boca parece que resseca
Não há saliva e consequentemente não há beijo
O peito se contrai, mas se trai
Assassina o romance com um “tanto faz”

As canções de amor parecem todas iguais
A tristeza se distrai com a transa
A saudade se acomoda como um hóspede
Mas a casa permanece vazia

As cortinas dos olhos se fecham para o sol
E até o céu já não é azul como antes
Mas ainda existe uma luz  que entra pelas frestas das janelas
Que revela um amanhecer remoto
Pois mesmo do sono mais profundo
A alma um dia acorda

Poesia quando cala, transborda.

4.27.2011

Efêmera


Sou Madalena arrependida
Apedrejada em praça pública
Joana D’arc na fogueira
Impudica feiticeira, eu sou
Salomé de João Batista
Com uma cabeça na bandeja
Cleópatra dividida
Entre os homens de Roma e o império do Egito
Sou o grito da donzela
O gozo da prostituta
Minha conduta é suspeita
Sou puta mas sou de virgem
Afrodite, Deusa do amor
Sou as mulheres de Atenas
Sou centenas em uma só
Brigitte Bardot, Marilyn Monroe
Sou a esperança que não voltou da guerra
O holocausto dos Judeus
O ceticismo dos ateus
O adeus que precede a morte, eu sou
Bailarina na caixa de Pandora
A senhora de José de Alencar
Carlota Joaquina, Iemanjá
Ana Bolena e sua irmã traída
Sou as Marias dos Joaquins
As dançarinas dos botequins
Colombina sem Arlequim
A tristeza que inspira
O suspiro que arrebata
O frenesi que arrepia, eu sou
Apenas mais um verso
Em uma poesia que acabou.

4.24.2011

Cemitério de bonecas

O sol se põe na cidade de túmulos e os fantasmas acordam com a lua. Ela sente o vento encerrar paredes à sua volta, retendo o eco da morte que vibra entre o farfalhar das folhas secas e o uivo distante dos lobos  sedentos por sua carne.

Ela é boneca de porcelana presa na prateleira mais alta de uma estante. Uma boneca de porcelana com um coração que só serve para sangrar, mas que jamais experimentou qualquer uma dessas sensações arrebatadoras de amor e paixão que os livros contam e as canções cantam. É boneca de porcelana covarde, que se submete à humilhação de ser brinquedo de alguém quando pode simplesmente atirar-se da estante para o chão.

Não imaginam os lobos – esse lobos sedentos por sua carne – que ela é feita de vidro amolado e amargo, e que devorá-la no mínimo lhes esfolaria os lábios. Com seus olhos vítreos, ela observa – e observar é sua  sina – as lápides e as lápides lapidam seu olhar (como um pêndulo). Sente inveja dos mortos, cujas almas mesmo penadas vagam livremente entre os vivos; enquanto ela (boneca amaldiçoada) é voodoo que existe apenas para provocar sensações, mas nada sente.

Em algum lugar nesse mundo alguém deve sofrer sua dor e sentir os pregos que criavam seu espírito, porquanto ela – há muito –  tem a sensibilidade de um leproso.

4.05.2011

Só-lene (Pobre garota rica)


Ela não olha pra baixo
É com o salto que esmaga os obstáculos
Só olha pra trás pelo retrovisor
Do Honda Cívic que comprou a vista

Pra cima ela também não olha
Não quer nenhum Deus importunando sua vida
Pra frente, não tem escolha
Mas paga caro por uma paisagem limpa

Sem favelas porque não gosta de pobreza
Sem plantas porque não gosta de mosquitos
Sem vizinhos porque não gosta de barulho

Ela pensa em ser como o sol
Que acorda e dorme sozinho
E nem por isso brilha menos
- mas diamantes são gelados.

3.24.2011

Prima Vera

Sei que tens dentro de si
Um terrível medo do inverno
Como se o gelo fosse pra ti
O fogo que arde no inferno

O outono, teu vil amante
Sem pudor se insinua
Derruba tua última folha restante
Somente para ver-te nua

Eis que vem o amor covarde
Cujo sol cega e o calor seduz
Então deixa o verão pra mais tarde
Pois tudo que incendeia

reduz-se a pó.

Primavera - Los hermanos
Deixa o verão - Los hermanos

3.19.2011

Céu na boca

No céu da minha boca
O sol nasce com um beijo
Pra se pôr no teu pescoço

Lá estrelas são palavras
Que sussurro em teu ouvido
Soprando o vento gostoso
De trident divido

Pois saliva é tempestade
Mas metade vem de ti
E sorriso é meteoro
Sem ter hora pra explodir.

3.12.2011

Objeto de estudo

Você faz meiose dentro de mim
Se multiplica em progressão geométrica
Você me ensina seu latim
Se insinua com sua falta de ética

Conhece o relevo do meu corpo
Mas desconhece a depressão na minha alma
Sua dedicação é mero engodo
Enquanto minha gratidão te exalta

Você confunde minha sintaxe
Distorce toda minha anatomia
De biologia, como é de praxe
Só entende de putaria.

2.27.2011

Contatos imediatos do primeiro grau

Eu não sou como eles
Mercenários e bacanas
Nem sei como eles
Lucrar com a miséria africana

Eu não tenho gana nem grana
Nem coroa nem fama
Mas também não sou puritana
Tampouco vegetariana

Carrego pecados na mochila
E cochilo em cultos ecumênicos
Eu nunca assisto futebol
E ainda torço contra o flamengo!

Mas eu pago por um sorriso
E um amigo, pra mim, não tem preço
Não há dinheiro ou promessa
Que conquiste o meu apreço

Entre os homens que transitam
Nesta terra adulterada
Que eu seja alienígena
Mas jamais alienada