4.27.2011

Efêmera


Sou Madalena arrependida
Apedrejada em praça pública
Joana D’arc na fogueira
Impudica feiticeira, eu sou
Salomé de João Batista
Com uma cabeça na bandeja
Cleópatra dividida
Entre os homens de Roma e o império do Egito
Sou o grito da donzela
O gozo da prostituta
Minha conduta é suspeita
Sou puta mas sou de virgem
Afrodite, Deusa do amor
Sou as mulheres de Atenas
Sou centenas em uma só
Brigitte Bardot, Marilyn Monroe
Sou a esperança que não voltou da guerra
O holocausto dos Judeus
O ceticismo dos ateus
O adeus que precede a morte, eu sou
Bailarina na caixa de Pandora
A senhora de José de Alencar
Carlota Joaquina, Iemanjá
Ana Bolena e sua irmã traída
Sou as Marias dos Joaquins
As dançarinas dos botequins
Colombina sem Arlequim
A tristeza que inspira
O suspiro que arrebata
O frenesi que arrepia, eu sou
Apenas mais um verso
Em uma poesia que acabou.

4.24.2011

Cemitério de bonecas

O sol se põe na cidade de túmulos e os fantasmas acordam com a lua. Ela sente o vento encerrar paredes à sua volta, retendo o eco da morte que vibra entre o farfalhar das folhas secas e o uivo distante dos lobos  sedentos por sua carne.

Ela é boneca de porcelana presa na prateleira mais alta de uma estante. Uma boneca de porcelana com um coração que só serve para sangrar, mas que jamais experimentou qualquer uma dessas sensações arrebatadoras de amor e paixão que os livros contam e as canções cantam. É boneca de porcelana covarde, que se submete à humilhação de ser brinquedo de alguém quando pode simplesmente atirar-se da estante para o chão.

Não imaginam os lobos – esse lobos sedentos por sua carne – que ela é feita de vidro amolado e amargo, e que devorá-la no mínimo lhes esfolaria os lábios. Com seus olhos vítreos, ela observa – e observar é sua  sina – as lápides e as lápides lapidam seu olhar (como um pêndulo). Sente inveja dos mortos, cujas almas mesmo penadas vagam livremente entre os vivos; enquanto ela (boneca amaldiçoada) é voodoo que existe apenas para provocar sensações, mas nada sente.

Em algum lugar nesse mundo alguém deve sofrer sua dor e sentir os pregos que criavam seu espírito, porquanto ela – há muito –  tem a sensibilidade de um leproso.

4.05.2011

Só-lene (Pobre garota rica)


Ela não olha pra baixo
É com o salto que esmaga os obstáculos
Só olha pra trás pelo retrovisor
Do Honda Cívic que comprou a vista

Pra cima ela também não olha
Não quer nenhum Deus importunando sua vida
Pra frente, não tem escolha
Mas paga caro por uma paisagem limpa

Sem favelas porque não gosta de pobreza
Sem plantas porque não gosta de mosquitos
Sem vizinhos porque não gosta de barulho

Ela pensa em ser como o sol
Que acorda e dorme sozinho
E nem por isso brilha menos
- mas diamantes são gelados.